Trinta e cinco anos após sua promulgação, a Constituição brasileira foi traduzida pela primeira vez para uma língua indígena: o nheengatu. Essa iniciativa foi patrocinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a nova versão da Carta Magna foi lançada em uma cerimônia realizada nesta quarta-feira (19/7) no município de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, na maloca da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).
A Constituição em nheengatu foi elaborada por um conjunto de 15 indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, como parte das celebrações da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas. De acordo com o último levantamento sobre línguas indígenas no Brasil, realizado no Censo de 2010, as 305 etnias brasileiras preservam 274 idiomas vivos no país.
“A ministra do STF, Rosa Weber, ressaltou que as línguas conseguiram sobreviver apesar dos contínuos ataques desde o início do processo de colonização do território que já abrigava diversos povos indígenas muito antes de ser chamado de Brasil. Por essa razão, é de extrema importância preservar e valorizar a diversidade linguística brasileira, pois isso é essencial para a construção de uma sociedade plural e inclusiva.”
“Os indígenas presentes na cerimônia celebraram a tradução da Constituição. Lucas Marubo, do povo marubo, enfatizou que essa tradução estabelece um precedente para que outros povos também tenham seus direitos traduzidos. Ele classificou o momento como histórico para os povos indígenas. Por sua vez, a tradutora Inory Kanamari, pertencente ao povo kanamari, mencionou que é a primeira indígena de sua etnia a exercer a advocacia. Ela destacou que, em um país com imensa diversidade, suas línguas não são ouvidas nos espaços e enfatizou a necessidade de inclusão para fazerem parte da sociedade.”
Idioma Amazônico Comum
A presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, afirmou que a escolha da língua nheengatu se baseou em sua importância para a região amazônica. Ela destacou que historicamente essa língua possibilitou a comunicação entre diversas comunidades de diferentes povos espalhados por toda a Amazônia, chegando até a fronteira com o Peru, Colômbia e Venezuela. No entanto, a língua acabou sendo perseguida e proibida em tempos passados.
Conhecida como Língua Geral Amazônica, o nheengatu é a única língua ainda viva hoje que descende do tupi antigo, apresentando traços que a conectam ao tupi falado na costa brasileira. Rosa Weber destacou que o nheengatu pertence ao tronco do tupi-guarani e influenciou a língua brasileira com milhares de vocábulos, um sotaque nasal e uma prevalência de vogais. Somando-se a isso, a herança de outros idiomas indígenas e africanos torna a língua portuguesa única e uma das mais ricas do mundo, segundo a presidente do STF.
No lançamento da Constituição em Nheengatu, também estiveram presentes a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana.